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“A comunicação social impõe o seu modo de funcionamento aos jornalistas”
//Sandra Fernandes

Eduardo Prado Coelho, escritor, cronista no “Público” e professor universitário, foi o convidado do 05 Encontro de Comunicação Social da Escola Superior de Tecnologia de Abrantes (ESTA) para fazer palestra da sessão de abertura, onde partilhou testemunhos com os participantes na iniciativa. Mais tarde, confidenciou, em entrevista, algumas das suas opiniões acerca do futuro da comunicação social e das alterações a que esta está a ser submetida. Prado Coelho fala das sinergias entre diferentes órgãos de comunicação que, “nalguns casos, não têm a menor criatividade”. Defende que os jornalistas, sobretudo os estagiários, “estão muito dependentes dos directores dos jornais” e lembra que “não há homem político que não tenha o seu assessor”. A OPA da Sonae e a concentração dos media são outros dos assuntos abordados. Qual é a sua opinião sobre o futuro e os novos rumos da comunicação social actualmente? Em primeiro lugar existe uma coisa extremamente forte que é a inserção de alguns órgãos de comunicação social em determinados grupos económicos, o que tem consequências consideráveis, porque a variedade de opções e inclusivamente o afastamento de determinadas pessoas, as relações de reforço dos vários órgãos é cada vez maior. As pessoas que têm jornais têm também operadores de telemóveis, têm canais de televisão e canais de rádio. Uma coisa que se diz é que Belmiro de Azevedo ainda não tem um grupo de comunicação social desenvolvido porque só tem o jornal «Público». Agora, com a OPA (Oferta Pública de Aquisição) poderá ligar a Optimus com a PT. Por outro lado, essa convergência provoca sinergias: energias que se reforçam umas às outras. O mesmo elemento, o mesmo conteúdo é anunciado pela televisão, porque vai ser publicado num jornal. Há jornais que vivem, é caso do «24 horas», de conteúdos da televisão e essas sinergias, em certos casos, não têm a menor criatividade, mas são formas de criar relações entre os vários órgãos. Na sua comunicação acabou por não falar do papel da comunicação nas organizações e na política. Qual é, então, esse papel? Nas organizações a comunicação tem um papel importante porque pouco a pouco foi-se desenvolvendo a ideia de que um dos elementos que os funcionários de uma empresa devem ter é uma boa formação. Eles devem estar informados, devem ter uma relação muito transparente com essas organizações, de maneira a sentirem-se motivados e a serem mais funcionais. No caso da política, é um pouco diferente. A política faz-se de mensagens, que às vezes não passam. Por outro lado, a política está nos cartazes, nos outdoors, nos telemóveis, na rádio, na televisão. E, depois, na sessões públicas onde as personagens que fazem discursos com uma retórica notória, exaltando das pessoas, algumas das quais já estão convencidas. E o número de pessoas é significativo do êxito, mas não é feito de pessoas que não têm a ver com o processo em causa. Depois, há outros, com carisma, personagens políticas que têm uma imagem que se impõe e aqueles que, pouco a pouco, vão criando uma imagem. São exemplos disso o nosso primeiro-ministro, o caso de Cavaco Silva, de Manuel Alegre e até de Jerónimo Sousa, que foram capazes de criar uma imagem através da palavra, do diálogo, da entrevista e do discurso nos comícios. Ontem, na sua crónica no jornal Público, afirmava que a comunicação social tem razões que pertencem a outras razão. Que razão é essa? Eu digo isso porque a comunicação social impõe o seu modo de funcionamento aos jornalistas, sobretudo aos jornalistas estagiários que estão muito dependentes dos directores dos jornais e que tentam apanhar uma “cacha”, um bom título, isto é, conseguirem obter um apoio mais profundo do director. Isto implica uma rapidez na obtenção das notícias que permita passar à frente de outras publicações. Essa rapidez é o que dita a capacidade de descobrir casos, reportagens etc, que acaba por levar a coisas que são negativas: tendência para desenvolver uma dimensão mais escandalosa em torno de determinadas personalidades, tendência para fazer uma sátira, etc. Qual a sua opinião acerca das mudanças que se estão operar na comunicação, nomeadamente em relação ao Estatuto do Jornalista e do Código Penal? Eu ainda não conheço muito bem essas alterações, mas ouvi dizer que estava relacionada com o segredo de justiça e com o sigilo das fontes, o que tem a ver com a fuga de informação muito frequente, sobretudo em muitos casos em que os jornalistas exercem uma nova função, a de assessores de imprensa. Uma mutação que antes não havia. Agora não há homem político que não tenha o seu assessor. E acerca da Entidade Reguladora da Comunicação Social? Não sei se a Entidade Reguladora da Comunicação Social difere muito da Alta Autoridade. Em geral são pessoas que não conheço, que nunca ouvi falar e sobre as quais sou incapaz de me pronunciar. Mas penso que há jornais, até por influência dos directores, em que há regras e indicações muito claras sobre o que é permitido ou não fazer, e há discussões sobre os títulos da primeira página, etc, é caso do “DN” e do “Público” onde os respectivos directores fazem um trabalho extremamente equilibrado, quer junto dos jornalistas como junto dos colunistas. Qual a sua opinião acerca de iniciativas como o V Encontro de Comunicação da ESTA? Tudo o que sejam iniciativas em que o objectivo é debater, encontrar com outras pessoas, com profissionais, é importante. Acho que os organizadores estão de parabéns pelo facto de promoverem esta iniciativa, algo que é extremamente positivo. Que mensagem daria aos alunos da ESTA? A mensagem é a de que tentem funcionar o mais autonomamente possível em relação a regras exteriores e se guiem por aquilo que é consciência de cada um relativamente às possibilidades e limites da comunicação. Afinal, cada um sabe ou deve saber o que é grave e deve fazer. Perfil: Nasceu em Lisboa, em 1944. Licenciou-se em Filologia Românica, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e doutorou-se em 1983, na mesma Universidade, com uma tese sobre “A Noção de Paradigma nos Estudos Literários”. Foi assistente na Faculdade de Letras de Lisboa. Em 1984, passou para a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde é actualmente professor associado no Departamento de Ciências da Comunicação. Em 1988, foi para Paris ensinar no Departamento de Estudos Ibéricos da Sorbonne - Paris 3. Entre 1989 e 1998 foi conselheiro-cultural na Embaixada de Portugal em Paris e, em 1997, director do Instituto Camões, nesta cidade. Tem ampla colaboração em jornais e revistas e publica uma crónica semanal sobre literatura no jornal Público, para além de um comentário político quotidiano no mesmo jornal. É autor de uma ampla bibliografia universitária e ensaística, onde se destacam um longo estudo de teoria literária Os Universos da Crítica, vários livros de ensaios O Reino Flutuante, A Palavra sobre a Palavra, A Letra Litoral, A Mecânica dos Fluidos, A Noite do Mundo e dois volumes de um diário Tudo o Que Não Escrevi (Grande Prémio de Literatura Autobiográfica da Associação Portuguesa de Escritores, 1996). Em 2004, foi-lhe atribuído o Grande Prémio de Crónica João Carreira Bom. Publicou recentemente Diálogos sobre a Fé” (com D. José Policarpo) e Dia Por Ama (com Ana Calhau).
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